João Cabral de Melo Neto intitulou Morte e vida severina seu poema dramático de 1955. A inversão no título da sequência previsível da vida e da morte pode ser compreendida como registro do império da morte na trajetória dos retirantes nordestinos ali retratada, mas também como afirmação da possibilidade da vida emergir até mesmo da morte ― e é essa segunda interpretação que parece estar na base da própria condensação dos “muitos Severinos”, que estão por trás do Severino protagonista, nessa coletiva “vida severina” que irrompe da morte geral, não menos “severina”. Dialética semelhante ― entre o império da morte e a teimosia da vida, entre o itinerário singular do herói e o destino coletivo do seu povo ― já se achava no romance- rapsódia que Mário de Andrade publicou em 1928, Macunaíma. Daí se poder falar também, a propósito desse livro, numa Morte e vida macunaíma (como já fizera em 1986, ainda que com outras questões em pauta, Tânia Regina Oliveira Ramos no título de um ensaio). No curso aqui proposto, a partir da leitura de alguns episódios exemplares da obra maior de Mário de Andrade, buscaremos examinar essa dialética que liga dois momentos decisivos da literatura brasileira ― e decisivos, como veremos, não só do ponto de vista estético, mas também político, pela atenção conferida, em ambos, aos povos menores que remorrem e revivem incessantemente nos desvãos e nas margens do “povo brasileiro” (retirantes no poema de Cabral, indígenas no romance de Mário).

Aula 1 ― Vida e morte

Aula 2 ― Morte e vida